quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Autenticidade é ser ‘Marquesa’

Por Camila Fernandes*
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Ela ‘nasceu’ de uma caixa de costura, feita manualmente pela tia Nastácia para brincar com a menina Narizinho. Seu criador, Monteiro Lobato, assumiu algumas vezes não saber o que fazer com tal criatura, devido as ‘bobagens’ que ela falava. A boneca recebeu o título de ‘Marquesa de Rabicó’ porque se casou com um porco visando unicamente fazer parte da nobreza. Criada em 1922, a cada dia encanta mais e mais pessoas, seja por sua personalidade marcante ou pelo seu atrevimento espontâneo.
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Emília não nasceu falando, mas quando começou a tagarelar logo ganhou o acertado apelido de ‘Torneirinha de Asneiras’. Lobato não deu a ela uma fada madrinha (como aconteceu em algumas histórias de princesas de outros autores) para que a presenteasse com o som que sairia de sua boca. Na história em que começou a falar, Narizinho recusou com firmeza um transplante de língua de papagaio para sua ‘filha’, segundo a personagem por razões humanitárias. Entretanto, sabemos que a expressão ‘língua de papagaio’ soa repetição e previsibilidade, características que Monteiro Lobato não queria para sua pequena criatura.
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A Marquesa começou a falar depois de engolir uma pílula, que foi um método inovador para a época e sua fala nada se parecia com as de outras bonecas ou com de outros personagens do escritor. Por meio dela, Lobato divulgou suas ideias revolucionárias aos pequenos leitores para que estes soubessem o que estava acontecendo no Brasil e não crescessem alienados ou como meros ‘papagaios’.
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Esta boneca de pano possui estreita ligação com a moda. O autor poderia sugerir uma boneca de plástico ou de outro material da época, mas ele escolheu que Emília ‘saísse dos sentimentos de alguém’. Quando fazemos um artesanato ou trabalho manual imprimimos em tal ato sentimentos que subjetivamente ficam impregnados ao trabalho final, enriquecendo-o aos olhos de quem o recebe.
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A boneca foi feita com botões, linhas, agulhas entre outras coisas, que estariam presentes em qualquer caixa de costura. Mas, foi a sensibilidade da empregada que a fez ‘Emília’. Interessante pensar que a mesma coisa acontece na nossa vida: compramos roupas que inúmeras pessoas também tem e vivemos a mesma época que elas, porém na hora de nos vestir o nosso diferencial esta guardado no interior e quando ele vem à tona é que as combinações criativas surgem e atraem muitos elogios. Revistas de moda e desfiles são sempre bem-vindos na hora da inspiração, mas na vida real, honestidade com nós mesmos é lei: nossa silhueta deve ser analisada, nossas necessidades e imagem que queremos transmitir, para depois fazermos combinações que correspondam exatamente àquilo que somos.
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O atrevimento de Emília esta relacionado às possibilidades que nos proporcionamos de experimentar uma peça moderna antes de falar “jamais vou usar isso!” e que atire o primeiro o retrós de linha quem nunca pronunciou essa frase. A boneca falava o que queria e não tinha medo de repressões (afinal medo é ‘coisa’ de gente e não de boneca) e, por isso, o tamanho encantamento em torno dela.
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E por que não aprender com Emília e sermos mais ousadas? Pode ser nas estampas, texturas ou comprimentos, como também usar aquele modelo novo de calça que você torceu o nariz só de ver, mas nunca teve coragem de entrar em uma loja para experimentar. Ou quem sabe usar uma cor diferente no cabelo ou uma postura nova diante de um problema antigo? Só iremos saber se uma roupa combina conosco se experimentarmos, assim também só iremos ser felizes na vida se tivermos aquele “atrevimento bom”, que é peculiar de quem almeja ser Marquesa.
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O essencial é que reflita o interior de cada um, com suas convicções e medos, para que, assim como Emília, possamos ser lembradas como mulheres autênticas e corajosas na vida. E, é claro, na moda. 
A Emília de Camila Fernandes
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*Camila é formada em Design de Moda e especializada em Docência do Ensino Superior. Seu trabalho de conclusão de curso apresentou uma interessante relação entre Emília, personagem de Monteiro Lobato, e a moda. Este artigo é resultado desta pesquisa.

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