terça-feira, 26 de maio de 2009

Nascimento da Moda

O filósofo francês Gilles Lipovetsky (2006) observa que durante séculos as sociedades se desenvolviam sem almejar as novidades, “as formações sociais ditas selvagens ignoraram e conjuraram implacavelmente durante sua existência multimilenar, a febre da mudança e o crescimento das fantasias individuais” (LIPOVETSKY, 2006: 23). É fato que as sociedades primitivas já possuíam um forte apelo estético, controlado pelo costume de utilizar pinturas, ornamentos e adornos. No entanto, estas ações compunham algo maior, eram tradições conservadoras, herdadas do passado, e passadas de geração por geração, sem sofrer nenhuma modificação ao longo dos anos.

"Hiperconservadora, a sociedade primitiva impede o aparecimento da moda por ser esta inseparável de uma relativa desqualificação do passado: nada de moda sem prestigio e superioridade concedidos aos modelos novos e, ao mesmo tempo, sem uma certa depreciação da ordem antiga" (LIPOVETSKY, 2006: 27).


Lipovetsky aponta que a moda, tal como a conhecemos, quase não aparece antes da metade do século XIV. É nesse momento que as sociedades começaram a abandonar as obrigações relacionadas aos costumes estéticos, tradicionais e hereditários, e passaram a fazer uma nova leitura sobre o hábito de vestir-se e adornar-se. Surge, então, um vestuário totalmente novo, claramente diferenciado pelo sexo (até este momento o vestuário masculino e feminino era muito parecido, com cortes e tecidos basicamente idênticos). Estas mudanças foram diretamente influenciadas pela criação e desenvolvimento das cidades, pela organização da vida nas cortes e pelo Renascimento.

"Só a partir do final da Idade Média é possível reconhecer a ordem própria da moda, a moda como sistema, com suas metamorfoses incessantes, seus movimentos bruscos, suas extravagâncias. A renovação das formas se torna um valor mundano, a fantasia exibe seus artifícios e seus exageros na alta sociedade, a inconstância em matéria de formas e ornamentações já não é exceção, mas regra permanente: a moda nasceu" (LIPOVETSKY, 2006: 23).


O filósofo ainda observa que a moda viveu a sua fase inaugural a partir deste período, até à metade do século XIX. As características mais proeminentes da moda, como traços estéticos e a importância social, começaram a ser reveladas e as frivolidades e fantasias instalaram-se na sociedade de maneira ordenada e duradoura. Porém, infelizmente, durante todos estes anos somente alguns grupos pequenos e fechados, que monopolizavam os conhecimentos e o poder da criação, participaram desta fase. Para Lipovetsky esse é o estágio artesanal e aristocrático da moda.

Nota-se que o sistema da moda surge para quebrar paradigmas e preceitos. Lipovetsky relembra que na era dos costumes reinava o prestígio à Antigüidade. Todavia, na atualidade, a moda desencadeou um forte anseio pelas novidades. “Com a moda começa o poder social dos signos ínfimos, o espantoso dispositivo de distinção social conferido ao porte das novidades sutis” (LIPOVETSKY, 2006: 32). Estas novidades passam a ser aspiradas, de maneira mais ressaltada, pela alta sociedade que desejava se diferenciar, já que a burguesia começou a realizar cópias da vestimenta utilizada por eles. As intensas novidades tornavam o crescimento da prática de copiar uma ação mais difícil e complexa.


Foram séculos de desenvolvimento e novidades que fizeram com que a moda se consolidasse e alcançasse alguns conceitos que são comuns na atualidade. Na Idade Média, por exemplo, não existia ainda o conceito de estilista ou costureiro. “Somente no final do século XVIII uma pessoa seria responsável por mudanças assinadas, quando Rose Bertin ficou famosa por cuidar das toilettes da rainha Maria Antonieta (1755-93) – celebre pela vaidade, extravagância e gosto por grandes festas” (PALOMINO, 2003: 16).

Entretanto, percebe-se que na sociedade do século XIX a moda evoluiu com grande rapidez e atingiu todas as camadas sociais. Deixou de pertencer somente a grupos seletos e fechados, para começar a trilhar um novo caminho, que se consolidaria no final do século XX, chamado de “democratização da moda”. Durante o século XIX o sistema da moda se solidificou como instrumento de afirmação pessoal e como forma de expressar sentimentos e pensamentos. “A partir de então entramos em uma fase mais sofisticada de leitura da moda. A aceleração e os aspectos de mudança instalaram verdadeiros desafios” (PALOMINO, 2003: 16).

Foi também no século XIX que a moda vivenciou dois importantes fatos capazes de transformar a moda e criar práticas e métodos que se aplicam até os dias de hoje: a criação da alta-costura e os lançamentos das coleções divididos em duas temporadas. Nestas duas situações, a pessoa revolucionária, responsável por estes acontecimentos, foi o estilista Charles Worth (1826–95).

Segundo historiadores, a alta-costura surgiu em Paris, em 1858, através deste estilista inglês. Nesta época Worth abriu a sua primeira maison e passou a criar para nobres e burgueses. Por apresentar um trabalho diferenciado e peculiar, a imperatriz Eugênia (esposa de Napoleão III) indicou o costureiro para o cargo de “estilista imperial”, assim denominado pela jornalista de moda Érika Palomino. “Nascia o conceito de alta-costura e o estilista tinha agora um status de criador supremo, diferente das costureiras e alfaiates” (PALOMINO, 2003: 22). Após difundir a alta-costura, Worth propôs que, para sistematizar os lançamentos da moda, a melhor opção seria concentrar a criação e a divulgação das novidades duas vezes ao ano, acompanhando as estações climáticas.

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